Todo mundo tem passado e as marcas que ele
deixa nem sempre são passiveis de maquiagem. Alguns têm filhos, outros
tatuagens, alguns, fobias, outros, cicatrizes. Já faz um tempo que ando por aqui, desse meu
jeito torto, acumulando bagagem e deixando pegadas. Meu caminho é meu sonho, uma
finalidade em si mesmo.
Só que daí vem você. Dorme na minha
casa, sorri da roda do Dharma na minha parede, me ajuda a arrumar os lençóis,
solta pelos na minha cama e larga assim, despretensiosamente, a escova de dente
na minha pia. Eu observei com calma, respirei fundo e prometi pra mim que não
ia entrar em parafuso, mas eu estou com medo, muito medo, um medo insano de que
as coisas deem errado dessa vez.
Abrir espaço pra ser dois não faz parte
dos meus planos, gosto de me jogar na cama, me alimentar de miojo, esquecer de
pagar as contas e sacrificar roupas novas por acessórios indianos. Mas eu estou
aqui, cozinhando pra você, indo na Igreja aos domingos, morrendo de medo de que
a sua mãe não goste de mim e pensando “eu devia mesmo ter tatuado um dragão tão
grande?”.
É isso.
Você me dá medo de não gostar de mim.
Você me faz pensar se eu sou o suficiente. Você me faz desejar ter ouvido minha
avó e não ter namorado tanto, desde tão jovem. Você me deixa insegura e me fez
ver o quanto eu sou absolutamente normal e comum nessa minha surpresa em gostar
de ser feliz de um modo assustador nesses seus braços. Meus Deus, eu entrei em
parafuso!
Você foi embora esta manhã com um
sorriso nos lábios, me fez pular pra te alcançar num beijo e saiu assoviando um
pagodinho qualquer. É pagodinho. Eu sei, amigos, também não aprovo muito o
gosto musical. É só que você estava tão feliz e eu fiquei tão triste, com o
coração na mão, porque eu conheço o meu potencial pra estragar tudo. É eu tô
crisando, mas o que mais se pode fazer quando chega alguém assim, do nada, e
revira seu mundo? E vira seu mundo? Levei
tanto tempo construindo verdades e você as faz inúteis em poucos segundos.
As minhas marcas não são removíveis,
desse modo, eu agradeceria se você se achegasse, com esse seu jeito manso,
ficasse por aqui, mesmo bagunçando tudo e me aceitasse assim, metamorfose
ambulante, porque eu não quero deixar de me orgulhar de mim e de tudo o que fiz
sozinha até que você chegasse. Sinta orgulho de mim também.
Eu imagino que seria bem mais fácil
escolher alguém com um pouco menos de personalidade, mas, mesmo assim, me
escolha. E me deixe conhecer as suas marcas e cozinhar pra nós dois, ainda que
seja só um miojo, me abrace na cama, quando cortarem a minha energia, quase
morra intoxicado comigo quando eu acender incensos para energizar a casa e
beije o dragão em minhas costas todas as noites, tão feliz quanto eu por eu ser
quem eu sou. Enfim, encare meus medos de frente, me ajude a ver o quão mulher
eu sou e faça com que eu me sinta segura com você.