No quintal da melhor casa do mundo tem um pé de carambola. As paredes
estampam bandeiras colocadas no período da copa, esquecidas no ambiente até a
copa seguinte. No canto esquerdo existe um tanque onde, nos dias de calor, as
crianças imaginam uma piscina. No canto direito, fica a casinha da cadela feia
que todos chamam de Fiona. E, por todo esse quintal, circula uma senhorinha
baixa de óculos de grau e cigarro em mãos.
Essa senhora leonina, loira e geniosa tem suas peculiaridades. Para ela,
sempre está calor, pela manhã só toma café preto, dorme todas as tardes, não
perde a novela das 9, joga canastra todos os dias, come o talo do alface, gosta
de Roberta Miranda, sofre de insônia, não usa maquiagem, odeia sutien, dança
muito bem, sempre encontra defeitos na arrumação da casa e briga/implica com as
filhas e netos todos os dias.
Ela usa um olhar desconfiado e uma língua afiada que impõem autoridade.
Ela repete as frases dos sermões até que penetrem até no inconsciente. Ela
reúne a família nos fins de semana e conta, já alta, suas histórias. Mas ela é
um segredo. Um passado guardado que conhecemos pelas frestas. Como toda mulher,
profunda demais pra ser sempre transparente.
Não lhe cabem adjetivos como: doce, meiga ou angelical. Longe disso. Mesmo
pequenina, os seus olhos verdes não escondem a grandeza de seu coração. Eu
ainda volto lá. Quero rever as coisas de que sinto falta: o pé de carambola e a
senhora que dele cuida. Mas eu confesso: a verdade é que só há um motivo para
minha saudade. E, sabe, eu nem gosto de carambola.