Senhorinha



No quintal da melhor casa do mundo tem um pé de carambola. As paredes estampam bandeiras colocadas no período da copa, esquecidas no ambiente até a copa seguinte. No canto esquerdo existe um tanque onde, nos dias de calor, as crianças imaginam uma piscina. No canto direito, fica a casinha da cadela feia que todos chamam de Fiona. E, por todo esse quintal, circula uma senhorinha baixa de óculos de grau e cigarro em mãos.
Essa senhora leonina, loira e geniosa tem suas peculiaridades. Para ela, sempre está calor, pela manhã só toma café preto, dorme todas as tardes, não perde a novela das 9, joga canastra todos os dias, come o talo do alface, gosta de Roberta Miranda, sofre de insônia, não usa maquiagem, odeia sutien, dança muito bem, sempre encontra defeitos na arrumação da casa e briga/implica com as filhas e netos todos os dias.
Ela usa um olhar desconfiado e uma língua afiada que impõem autoridade. Ela repete as frases dos sermões até que penetrem até no inconsciente. Ela reúne a família nos fins de semana e conta, já alta, suas histórias. Mas ela é um segredo. Um passado guardado que conhecemos pelas frestas. Como toda mulher, profunda demais pra ser sempre transparente.
Não lhe cabem adjetivos como: doce, meiga ou angelical. Longe disso. Mesmo pequenina, os seus olhos verdes não escondem a grandeza de seu coração. Eu ainda volto lá. Quero rever as coisas de que sinto falta: o pé de carambola e a senhora que dele cuida. Mas eu confesso: a verdade é que só há um motivo para minha saudade. E, sabe, eu nem gosto de carambola.
Share:

3 comentários:

  1. nossa gostei do texto é bem interessante de ler gostei muito.

    visita se quiser↓
    blognew-girl.blogspot.com/

    ResponderExcluir
  2. Meu Deus, eu me emociono, choro, tanto sentimento escondido nestas entrelinhas... perfeito!

    ResponderExcluir
  3. Lindo! chorei, eu sou essa senhorinha. Vc é demais! Uma intelectual. te amo muito

    ResponderExcluir